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Aspectos-chave
A complexidade da multimorbidade impõe desafios importantes à pesquisa, complicando as investigações sobre processos de cuidados promissores nesse âmbito. Porém, ao mesmo tempo, esses desafios convidam à reflexão e à ação sobre “a essência” da medicina de família e comunidade (MFC).1
A mensuração da multimorbidade para a pesquisa provavelmente requeira uma abordagem pragmática focada no encontro de uma representação mensurável, ao passo que o cuidado clínico da multimorbidade requer uma avaliação multidimensional atenta aos determinantes físicos, psicológicos, funcionais e sociais do estado de saúde da pessoa.
Essa avaliação abrangente deve ser usada como abordagem centrada na pessoa, a fim de ajudar os pacientes a definirem seus objetivos, independentemente de cruzar as fronteiras de objetivos biomédicos específicos das doenças.2
A colaboração interprofissional pode ser adequada para descrever de forma abrangente os problemas e os pontos positivos dos pacientes, bem como para desenvolver e executar planos de cuidados ajustados para as pessoas, focando no que importa para os pacientes, em vez do que seja passível de ser mensurado e contabilizado.
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Embora o envelhecimento da população seja um indicador de sucesso, ele é também um grande desafio, pois naturalmente resulta em mais pessoas com doenças crônicas. Além disso, a complexidade dos problemas de saúde aumenta de forma significativa: 20 a 40% dos pacientes com 65 anos ou mais têm mais de cinco doenças crônicas.3 As pesquisas e a prática clínica têm-se concentrado principalmente na construção da medicina baseada em evidências (MBE) para doenças isoladas,4 mas, na realidade, 50% dos pacientes com doença crônica apresentam mais de um problema.5
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Comorbidade. Presença de doenças coexistentes ou adicionais com referência a um diagnóstico inicial ou a uma condição-índice que seja o sujeito de estudo (definição do Medical Subject Headings [MeSH]).
Multimorbidade. As interações complexas de múltiplas doenças coexistentes (definição do Medical Subject Headings [MESH]).
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Sob o ponto de vista metodológico, é importante diferenciar os conceitos de comorbidade e multimorbidade.6 A comorbidade implica uma doença-índice e outras doenças relacionadas (p. ex., doença pulmonar obstrutiva crônica [DPOC] ou a comorbidade do diabetes), e a multimorbidade é definida como qualquer co-ocorrência de condições médicas em uma pessoa. De acordo com a perspectiva da atenção primária à saúde (APS), a multimorbidade é a mais relevante, pois os médicos de família lidam com o espectro amplo da morbidade do paciente, sem priorizar categorias de doenças específicas. Além disso, na perspectiva do paciente, a distinção entre doença-índice e doenças comórbidas costuma ser irrelevante, pois o impacto das doenças na situação individual do paciente cruza as fronteiras das doenças individuais.
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DESAFIOS DO CUIDADO CLÍNICO DE PESSOAS COM MULTIMORBIDADE
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Em uma publicação de 2005 do JAMA, Cynthia Boyd7 descreveu o caso teórico de uma paciente de 75 anos com DPOC, diabetes, osteoartrite, osteoporose e hipertensão. Conforme as diretrizes baseadas em evidências para essas condições crônicas, a paciente tem muitos ...