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Aspectos-chave
Os doentes difíceis decorrem da percepção, por parte do médico ou de outro elemento da equipe, de que algumas pessoas lhes suscitam emoções negativas ou grandes dificuldades relacionadas com a abordagem dos seus problemas de saúde e/ou com a comunicação e a relação interpessoal.
Para além das características e dos padrões de comportamentos dos doentes difíceis, podem estar em causa os seus problemas de saúde, as características pessoais e competências do médico ou outro profissional, bem como aspectos e regras do funcionamento do sistema de saúde.
A disfunção incide, sobretudo, na relação entre o profissional e quem o consulta e tem, em geral, consequências negativas para todos: usuário, profissional e sociedade.
A tomada de consciência, por parte do profissional, das suas emoções e reações negativas, bem como dos fatores associados à disfunção relacional, é o primeiro passo para reverter uma evolução negativa, transformando uma dificuldade em uma oportunidade de desenvolvimento.
Têm sido propostas diversas estratégias para lidar com este problema universal. Focalizam-se, em geral, nos profissionais: treino de autoconsciência emocional; autoconhecimento reflexivo; aperfeiçoamento de competências comunicacionais e relacionais; reforço de atitudes de cooperação e empatia; e uso sensato do poder profissional. Tais aspectos são mais eficazmente trabalhados em contexto de equipe ou interpares, sendo um dos exemplos o dos Grupos Balint, também abordados nesta obra.
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Uma mudança de percepção que fez a diferença
MLB, 73 anos, sexo feminino, vive com o marido. Consulta-me frequentemente por múltiplas queixas, sobretudo cansaço, tristeza, ansiedade, dores musculares, insônia, medo de câncer e incontinência urinária de urgência. Refere nunca melhorar com os tratamentos propostos. Apresenta sempre efeitos adversos dos medicamentos prescritos (“Não melhorei com o medicamento x e ainda me fez sentir muito mal… Mas não é isso que me traz aqui… Sei que não há nada que alivie e que tenho de continuar a sofrer.”).
Fala muitas vezes dos anos passados cuidando do pai até o seu falecimento e relata agora as idas quase semanais a Algarve para cuidar do irmão em estado terminal por câncer do intestino.
Marca consulta quase sempre na última vaga da manhã ou da tarde. Desloca-se devagar, fala pausadamente, vai introduzindo múltiplos motivos ao longo das consultas (apesar das minhas tentativas de esgotar todos os motivos no início de cada consulta). Faz notar que as consultas têm importância para ela: “Vim correndo de Algarve para chegar na hora à consulta”.
Inicialmente, estabeleceu-se uma boa comunicação na relação médico-doente. Porém, com a recorrência à consulta, passei a vê-la como uma pessoa “chata”, sempre com as mesmas queixas, que utiliza todos os truques para me deter mais tempo. Senti-me frustrada com a repetida ineficácia no alívio das queixas. Pensei: “Talvez ela não queira realmente melhorar para poder continuar a queixar-se”. Procurava abreviar as consultas e encaixar os sintomas em um diagnóstico que explicasse a situação: “Provavelmente, trata-se de fibromialgia e por essa razão…”. Recorri a ajustes terapêuticos, ao pedido de exames complementares de diagnóstico e a explicações teóricas ...